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Responsabilidade civil do profissional ou do estabelecimento de saúde em casos de reprodução assistida

Filmes, novelas e séries abordaram várias vezes sobre temas bastante polêmicos como a clonagem de seres humanos e diversas formas de reprodução assistida. Tais procedimentos saíram da ficção e se tornaram realidade no mundo, ajudando diversos casais que não tem condições biológicas para, de forma natural, terem um filho. Mas, o direito tem um novo desafio que é verificar a responsabilidade civil em casos de insucesso.

A reprodução assistida é um campo da medicina que vem ganhando diversas novas técnicas e tecnologia para aumentar a eficiência no resultado: a fecundação e a gestação saudável de um feto. As técnicas mais conhecidas e mais utilizadas, atualmente, são: inseminação artificial (IIU), fertilização in vitro (FIV), injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICIS) e a transferência de embriões congelados (TEC).

A bioética e o direito bioético tratam de diversos temas relacionados ao processamento e armazenamento dos materiais genéticos, a forma dos procedimentos e o descarte dos embriões e demais materiais genéticos dos pacientes. Iremos abordar somente as questões procedimentais e informacionais puramente ditas, em casos de erro médico.

Os profissionais que realizam reprodução assistida devem ter as qualificações necessárias, como médicos especialistas em ginecologia, obstetrícia e/ou medicina reprodutiva. Eles devem ser licenciados e estar devidamente registrados para realizar esses procedimentos.

Antes de iniciar qualquer procedimento de reprodução assistida, é essencial realizar uma avaliação completa do paciente, incluindo histórico médico detalhado, exames físicos e investigação da causa da infertilidade. Isso ajuda a identificar possíveis condições subjacentes que possam afetar o tratamento e a saúde do paciente.

Durante o tratamento de reprodução assistida, os profissionais devem realizar monitoramento cuidadoso do ciclo menstrual da mulher, estimulação ovariana, coleta de óvulos, fertilização e transferência embrionária. Protocolos de segurança devem ser seguidos para minimizar riscos e garantir o melhor resultado possível.

Em procedimentos como fertilização in vitro (FIV), os profissionais devem aderir a rigorosas práticas de laboratório para garantir a segurança dos óvulos, espermatozoides e embriões. Isso inclui manter instalações e equipamentos adequados, realizar testes de qualidade e garantir a identificação correta dos materiais biológicos.

Os profissionais de reprodução assistida devem adotar uma abordagem ética e sensível, respeitando a autonomia dos pacientes, sua privacidade e confidencialidade. Eles devem fornecer apoio emocional e psicológico adequado durante todo o processo, reconhecendo o impacto emocional que a infertilidade pode ter nos pacientes.

Os profissionais devem fornecer informações detalhadas aos pacientes sobre as técnicas de reprodução assistida, incluindo os riscos, benefícios, sucesso esperado, limitações e opções alternativas. Os pacientes devem dar seu consentimento informado antes de prosseguir com os tratamentos.

Os médicos e clínicas devem tomar bastante cuidado com as informações passadas, pois, a máxima: “tudo pode ser usado no tribunal”, faz todo sentindo neste caso. Vemos diariamente diversas promessas de clínicas e médicos, sobre procedimentos de reprodução assistida, dando certeza do resultado positivo.

Tais promessas sempre vinculam as partes, neste caso, por se tratar de propaganda.

Os profissionais da saúde devem tomar muito cuidado com a forma como se portam nas redes sociais e mídias, porque em alguns casos o judiciário entende, devido à quantidade e qualidade do conteúdo, que houve uma publicidade garantidora do resultado, como por exemplo, casos de sucesso, que inclusive são proibidas por alguns conselhos profissionais ligados à saúde.

Neste rumo, toda propaganda e publicidade vincula as partes, não só por isso, a forma como é exposto, até mesmo um conteúdo informativo, pode ser considerado uma propaganda.

O direito médico, nos tempos atuais, prima pelo direito da informação e sua clareza, sendo uns dos direitos de qualquer consumidor ter as informações de forma clara, objetiva e ostensiva.

Portanto, o profissional, no momento de oferecer o serviço, deve adequar o site, rede sociais e dentre outros, com o que determina as mais diversas legislações, como por exemplo: o valor de uma sessão deve estar expresso no anúncio; expor que o resultado conseguido pelo paciente não é a regra; e demais informações de alerta.

O médico tem o dever de expor qual técnica será utilizada no procedimento de reprodução assistida, o formato da cicatriz em caso de cirurgia, efetuar exames pré-operatórios e dentre diversos outros pontos de suma importância na tomada de decisão do paciente/cliente.

Os tribunais vêm entendendo que há relação de consumo entre médico-paciente, portanto, o código de defesa do consumidor deve ser aplicado nos contratos e procedimentos efetuados pelas partes. Apesar do conceito de cliente e paciente se misturarem, a pessoa que busca tais procedimentos tem um objetivo direto e claro: a concepção de um filho.

O procedimento de reprodução assistida nada mais é que um contrato de prestação de serviço, no qual objetiva a concepção de uma criança para aqueles que buscam tais profissionais, não realizando este objetivo, haverá um erro médico.

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou sobre o tema, e, naquele momento, entendeu, pacificando as decisões judiciais, que os profissionais que trabalham no ramo reprodução assistida têm como obrigação a concepção de uma criança, em regra. Por alterar o tipo de relação, sendo uma relação contratual finalística, de resultado, ou seja, um contrato de prestação de serviço que espera e requer que o resultado seja cumprido.

Com esses argumentos, os tribunais vêm entendendo que a responsabilidade civil é objetiva, na sua grande parte. Este caráter objetivo, implicará na desnecessidade de verificar se houve negligência, imperícia e imprudência.

Há muitas divergências em relação a este entendimento, visto que, algumas cortes colegiadas, entendem que o dermatologista não tem o dever de atender completamente a expectativa do paciente, sendo necessário a comprovação da imprudência, negligência e imprudência da ação do médico.

No qual entende-se como: imprudência é quando se age de forma atabalhoada e sem a devida vigilância exigida; imperícia é quando age sem capacidade técnica para tanto; e negligência é quando agimos de forma omissa e sem o devido cuidado necessário.

As clínicas têm sua responsabilidade civil tratada como objetiva, porque existe uma relação empresarial envolvida. De tal forma, quando for prestada no procedimento de reprodução assistida por uma clínica, com CNPJ constituído, a responsabilidade civil passará a ser como objetiva, ou seja, não necessitará da comprovação da imprudência, imperícia e negligência. Esta é uma exceção prevista em lei e nas decisões tomadas por todos os tribunais estaduais, federais e superiores.

Há outra exceção em relação a responsabilidade civil subjetiva, que vale ser pontuada, no caso de procedimento de reprodução assistida, em hospitais públicos, filantrópicos e em parceria público/privado. Em todos estes hospitais que atuam diretamente com a saúde pública, inerente a atividade estatal, terá a sua responsabilidade civil como objetiva, visto que a constituição federal aderiu a teoria do risco administrativo, ao se tratar da responsabilidade civil.

Caso seja determinada a responsabilidade civil da clínica ou do médico, estes poderão pagar indenizações por danos materiais, morais e estéticos.

Os danos morais são um tipo de compensação pelo abalo psicológico, a honra e outras questões subjetivas. Tais danos são divididos em subjetivos e objetivos.

Os danos morais objetivos decorrem de questões lógicas, claras e transparentes para qualquer ser humano comum, não havendo a remota dúvida dos prejuízos causados. Já nos casos subjetivos é decorrente de questões subjetivas e inerentes ao paciente, violações a imagem, intimidade e privacidade.

Os danos materiais são decorrentes daquilo que efetivamente você perdeu na sua esfera patrimonial, ou seja, todo prejuízo (dinheiro) que, comprovadamente foi investido. Os danos materiais jamais podem ser presumidos, portanto, eles devem ser comprovados. Ressalto também, ao se tratar de dano material, o estabelecimento de saúde e/ou médico pode ser condenado a restituir o dinheiro, além de pagar a cirurgia de reoperação, cirurgia reparadora ou procedimentos corretivos.

Os danos estéticos tratam de uma lesão ou vestígio de uma alteração na sua característica física, tendo uma gravidade em que causa repulsa ao paciente ou cliente e a todos que o cercam. Ou seja, é uma alteração ou modificação corporal, física e morfológica em que o paciente tenha uma repulsa ou vergonha em todas as possíveis esferas sociais. O dano estético está estritamente ligado ao direito da integridade física.

Em um determinado caso, o Tribunal do distrito federal julgou uma ação, processo de nº 2002.01.1.077695-2, em que a paciente começou um tratamento de reprodução assistida, mas, após, alguns exames, houve um diagnóstico de um mioma. Para engravidar, este mioma precisaria ser removido. No momento da cirurgia, o médico perfurou a parede do seu útero e queimou a parede do seu intestino delgado. Logo após, houve a necessidade de uma outra cirurgia para a retirada de 23 cm do intestino delgado, ficando internada por 15 dias. Neste rumo, houve a condenação da clínica médica ao pagamento de 15 mil reais de danos morais e R$ 9776,00 de danos materiais.

Por isso, deve-se tomar todo cuidado, a fim de que atos evitáveis sejam contornados, pois o prejuízo financeiro é alto para os estabelecimentos e profissionais da área da saúde.

Embora seja impossível eliminar completamente todos os erros médicos, existem medidas que podem ser tomadas para reduzir o risco de erros no procedimento de reprodução assistida. Algumas dessas medidas incluem:

Comunicação efetiva: Uma comunicação clara e aberta entre médicos, enfermeiros e pacientes é essencial para garantir que informações importantes sejam compartilhadas e compreendidas. Isso inclui a discussão de riscos potenciais, diagnósticos e opções de tratamento.

Educação e treinamento contínuos: Os profissionais de saúde devem buscar educação e treinamento atualizados para aprimorar suas habilidades técnicas e conhecimentos clínicos, garantindo práticas seguras e adequadas.

Segunda opinião e revisão de casos: Em situações complexas ou de alto risco, buscar uma segunda opinião médica ou revisar casos por uma equipe multidisciplinar pode ajudar a identificar possíveis erros e evitar decisões precipitadas.

Melhoria dos sistemas de segurança: Instituições de saúde devem implementar protocolos de segurança, como verificações duplas e procedimentos padronizados, para minimizar erros e promover uma cultura de segurança.

Documentos: Termos de consentimentos, termos de privacidades, prontuário, contratos de prestação de serviços e dentre outros documentos bem redigidos e elaborados podem auxiliar para que uma possível ação judicial seja julgada ao seu favor. Há também a necessidade de avaliar, através de um compliance, a forma de comunicação da clínica e dos profissionais envolvidos, para evitar, uma possível vinculação de uma propaganda/publicidade.

Já o consumidor deve tomar as medidas de proteção ao seu direito, que são os registros de comunicação entre o profissional e o cliente, notas fiscais e recibos de pagamento, registros fotográficos e médicos, como exames, receitas e prontuários. As informações devem ser claras e ostensivas, no qual, ele pode exigir o contrato, termo de consentimento e que todas as informações sejam efetuadas por escrito.

É importante que os pacientes estejam bem-informados sobre o procedimento, entendam os riscos e tenham expectativas realistas, promovendo uma colaboração positiva entre o profissional e o paciente para alcançar os melhores resultados possíveis. Caso aconteça, deve-se procurar ajuda de um advogado especializado em direito médico para auxiliar em todo o processo judicial.