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Responsabilidade civil do profissional da saúde em caso de harmonização facial

Diante da crescente busca de procedimentos no ramo estético, a harmonização facial é um dos tratamentos que vem aumentando a procura nos últimos anos, sendo um dos procedimentos que mais cresce no Brasil. O Brasil é o campeão em procedimentos estéticos no mundo, segundo estudo realizado pela Sociedade Internacional de Cirurgias Plásticas, com mais de 1,5 milhões de procedimentos cirúrgicos realizados por ano.

A harmonização facial cresce gradativamente, tendo números expressivos entre 2014 e 2019. No primeiro ano, eram feitos 72 mil procedimentos, enquanto no último ano foram realizados 256 mil procedimentos, um aumento acima de 350%. Esses números são assustadores e crescem cada vez mais, tornando necessário um olhar jurídico adequado e cuidadoso para este grande número de procedimentos e para o ramo estético.

A harmonização facial é um procedimento que visa tornar o rosto do cliente mais harmônico, conjugando diversas técnicas e produtos para chegar na condição desejada pelo paciente. Algumas dessas técnicas são: bichetomia, toxina botulínica, carboxiterapia, intradermoterapia, peelings químicos, lifting facial, preenchimentos com uso de produtos químicos (ácido hialurônico e toxina botulínica), otoplastia, rinoplastia e dentre outras. Portanto, trata-se de um conjunto gigantesco de procedimentos, e um erro pode acabar com a aparência do paciente, por isso o profissional deve ser extremamente especializado.

De certa maneira, resultados negativos são naturais, pois estamos tratando de biologia, uma ciência que não tem resultados exatos, acreditando sempre que cada indivíduo é único. Mas nem sempre são casos naturais da biologia, em alguns, há um erro médico no procedimento de harmonização facial, no qual, pode ocorrer dois tipos de erros, relacionado a fabricação e a aplicação em si.

O profissional deve ter a formação e a qualificação adequadas para realizar procedimentos de harmonização facial. Isso inclui ser um médico dermatologista, cirurgião plástico ou dentista especializado em estética facial, com treinamento específico nessa área.

Cada paciente é único, e o profissional deve realizar uma avaliação detalhada do paciente, levando em consideração sua anatomia facial, histórico médico, objetivos estéticos e expectativas. Com base nessa avaliação, o profissional deve elaborar um plano de tratamento individualizado.

O profissional deve utilizar produtos de qualidade, seguros e autênticos em seus procedimentos de harmonização facial. Isso inclui preenchedores dérmicos, toxina botulínica (botox) e outros produtos utilizados para aprimorar a aparência facial.

No que tange a higiene e esterilização, deve-se seguir rigorosas práticas para prevenir infecções e garantir a segurança do paciente. Isso inclui a limpeza adequada das mãos, uso de luvas estéreis, uso de agulhas e seringas descartáveis e a adoção de técnicas assépticas durante o procedimento.

As informações passadas aos pacientes devem ser claras e precisas sobre os procedimentos, opções de tratamento, possíveis riscos e benefícios, bem como os resultados esperados. O paciente deve ser capaz de tomar uma decisão informada e dar seu consentimento antes de prosseguir com a harmonização facial.

Também é de responsabilidade do profissional fornecer ao paciente as informações do pós-tratamento de maneira clara e objetiva, incluindo medidas de cuidado com a pele, possíveis efeitos colaterais e sinais de complicações. O acompanhamento adequado do paciente após o procedimento é essencial para garantir a recuperação adequada e a satisfação com os resultados.

Os médicos e clínicas devem tomar bastante cuidado com as orientações passadas ao paciente, pois, conforme aquela máxima: “tudo pode ser usado no tribunal”, faz todo sentindo neste caso. Vemos diariamente diversas promessas de clínicas e médicos, sobre procedimentos de harmonização facial, dando certeza do resultado positivo.

Tais promessas sempre vinculam as partes, neste caso, por se tratar de propaganda.

Os profissionais da saúde devem tomar muito cuidado com a forma como se portam nas redes sociais e mídias, porque em alguns casos o judiciário entende, devido à quantidade e qualidade do conteúdo, que houve uma publicidade garantidora do resultado, como por exemplo, postagens de antes e depois, que inclusive são proibidas por alguns conselhos profissionais ligados à saúde.

Neste rumo, toda propaganda e publicidade vincula as partes, não só por isso, a forma de como é exposto, até mesmo um conteúdo informativo, pode ser considerado uma propaganda.

O direito médico, nos tempos atuais, prima pelo direito da informação e sua clareza, sendo uns dos direitos de qualquer consumidor ter as informações de forma clara, objetiva e ostensiva.

Portanto, o profissional, no momento de oferecer o serviço, deve adequar o site, redes sociais, dentre outros, com o que determina as mais diversas legislações, como por exemplos: o valor de uma sessão deve estar expresso no anúncio; expor que o resultado conseguido pelo paciente não é a regra; e demais informações de alerta.

O médico tem o dever de expor qual técnica será utilizada no procedimento de harmonização facial, a possibilidade de deixar cicatriz, efetuar exames pré-operatórios e dentre diversos outros pontos de suma importância na tomada de decisão do paciente/cliente.

Os tribunais vêm entendendo que há relação de consumo entre médico-paciente, portanto, o código de defesa do consumidor deve ser aplicado nos contratos e procedimentos efetuados pelas partes. Apesar do conceito de cliente e paciente se misturarem, a pessoa que busca tais procedimentos tem um objetivo direto e claro: a melhoria de algo que a incomoda em sua aparência.

O procedimento estético nada mais é que um contrato de prestação de serviço, no qual objetiva a melhoria da aparência da pessoa que busca tais profissionais, não realizando este objetivo, haverá um erro médico.

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou sobre o tema, e, naquele momento, entendeu, pacificando as decisões judiciais, que os profissionais que trabalham no ramo estético têm como obrigação a melhoria da aparência de seus clientes, em regra. Por alterar o tipo de relação, sendo uma relação contratual finalística, de resultado, ou seja, um contrato de prestação de serviço que espera e requer que o resultado seja cumprido.

Com esses argumentos, os tribunais vêm entendendo que a responsabilidade civil é objetiva, na sua grande parte. No qual a responsabilidade civil é de caráter objetivo, ou seja, não será verificado se houve negligência, imperícia e imprudência.

Há muitas divergências em relação a este entendimento, visto que, algumas cortes colegiadas, entendem que o dermatologista não tem o dever de atender completamente a expectativa do paciente, sendo necessário a comprovação da imprudência, negligência e imprudência da ação do médico.

No qual entende-se como: imprudência é quando se age de forma atabalhoada e sem a devida vigilância exigida; imperícia é quando age sem capacidade técnica para tanto; e negligência é quando agimos de forma omissa e sem o devido cuidado necessário.

As clínicas têm sua responsabilidade civil tratada como objetiva, porque existe uma relação empresarial envolvida. De tal forma, quando for prestada no procedimento de harmonização facial por uma clínica, com CNPJ constituído, a responsabilidade civil passará a ser como objetiva, ou seja, não necessitará da comprovação da imprudência, imperícia e negligência. Esta é uma exceção prevista em lei e nas decisões tomadas por todos os tribunais estaduais, federais e superiores.

Há outra exceção em relação a responsabilidade civil subjetiva, que vale ser pontuada, no caso de procedimento de harmonização facial, em hospitais públicos, filantrópicos e em parceria público/privado. Em todos estes hospitais que atuam diretamente com a saúde pública, inerente a atividade estatal, terá a sua responsabilidade civil como objetiva, visto que a constituição federal aderiu a teoria do risco administrativo, ao se tratar da responsabilidade civil.

Caso seja determinada a responsabilidade civil da clínica ou do médico, estes poderão pagar indenizações por danos materiais, morais e estéticos.

Os danos morais são um tipo de compensação pelo abalo psicológico, a honra e outras questões subjetivas. Tais danos são divididos em subjetivos e objetivos.

Os danos morais objetivos decorrem de questões lógicas, claras e transparentes para qualquer ser humano comum, não havendo a remota dúvida dos prejuízos causados. Já nos casos subjetivos é decorrente de questões subjetivas e inerentes ao paciente, violações a imagem, intimidade e privacidade.

Os danos materiais são decorrentes daquilo que efetivamente você perdeu na sua esfera patrimonial, ou seja, todo prejuízo (dinheiro) que, comprovadamente foi investido. Os danos materiais jamais podem ser presumidos, portanto, eles devem ser comprovados. Ressalto também, ao se tratar de dano material, o estabelecimento de saúde e/ou médico pode ser condenado a restituir o dinheiro, além de pagar a cirurgia de reoperação, cirurgia reparadora ou procedimentos corretivos.

Os danos estéticos tratam de uma lesão ou vestígio de uma alteração na sua característica física, tendo uma gravidade em que causa repulsa ao paciente ou cliente e a todos que o cercam. Ou seja, é uma alteração ou modificação corporal, física e morfológica em que o paciente tenha uma repulsa ou vergonha em todas as possíveis esferas sociais. O dano estético está estritamente ligado ao direito da integridade física.

Por isso, deve-se tomar todo cuidado, afim de que atos evitáveis sejam contornados, pois o prejuízo financeiro é alto para os estabelecimentos e profissionais da área da saúde.

Embora seja impossível eliminar completamente todos os erros médicos, existem medidas que podem ser tomadas para reduzir o risco de erros no procedimento de harmonização facial. Algumas dessas medidas incluem:

Comunicação efetiva: Uma comunicação clara e aberta entre médicos, enfermeiros e pacientes é essencial para garantir que informações importantes sejam compartilhadas e compreendidas. Isso inclui a discussão de riscos potenciais, diagnósticos e opções de tratamento.

Educação e treinamento contínuos: Os profissionais de saúde devem buscar educação e treinamento atualizados para aprimorar suas habilidades técnicas e conhecimentos clínicos, garantindo práticas seguras e adequadas.

Segunda opinião e revisão de casos: Em situações complexas ou de alto risco, buscar uma segunda opinião médica ou revisar casos por uma equipe multidisciplinar pode ajudar a identificar possíveis erros e evitar decisões precipitadas.

Melhoria dos sistemas de segurança: Instituições de saúde devem implementar protocolos de segurança, como verificações duplas e procedimentos padronizados, para minimizar erros e promover uma cultura de segurança.

Documentos: Termos de consentimentos, termos de privacidades, prontuário, contratos de prestação de serviços e dentre outros documentos bem redigidos e elaborados podem auxiliar para que uma possível ação judicial seja julgada ao seu favor. Há também a necessidade de avaliar, através de um compliance, a forma de comunicação da clínica e dos profissionais envolvidos, para evitar, uma possível vinculação de uma propaganda/publicidade.

Já o consumidor deve tomar as medidas de proteção ao seu direito, que são os registros de comunicação entre o profissional e o cliente, notas fiscais e recibos de pagamento, registros fotográficos e médicos, como exames, receitas e prontuários. As informações devem ser claras e ostensivas, no qual, o mesmo pode exigir o contrato, termo de consentimento e que todas as informações sejam efetuadas por escrito.

Com o grande aumento de tais procedimentos, e por se tratar do rosto, os profissionais devem ser altamente qualificados, visto a complexidade dos procedimentos realizados e dos efeitos colaterais dos produtos inseridos no corpo do paciente.

É importante que os pacientes estejam bem informados sobre o procedimento, entendam os riscos e tenham expectativas realistas, promovendo uma colaboração positiva entre o profissional e o paciente para alcançar os melhores resultados possíveis. Caso aconteça, deve-se procurar ajuda de um advogado especializado em direito médico para auxiliar em todo o processo judicial.