Quando a Negativa de Cobertura Pode Ser Considerada Abusiva?
A negativa de cobertura por parte de planos de saúde é uma prática que, infelizmente, se tornou cada vez mais comum no Brasil. Os planos de saúde, muitas vezes, se utilizam de diversas justificativas para negar tratamentos, procedimentos médicos, exames ou internações, o que gera um impacto direto na vida do paciente. Porém, a negativa de cobertura não é sempre legal, e, em certos casos, pode ser considerada abusiva. A seguir, será discutido quando essa negativa se configura como abuso, os direitos dos pacientes e as medidas legais que podem ser tomadas para contestá-la.
1. O que caracteriza uma negativa de cobertura abusiva?
Uma negativa de cobertura por parte de planos de saúde pode ser considerada abusiva quando ela viola os direitos do paciente, não se fundamenta em razões legítimas ou contraria as normas previstas pela legislação vigente, como o Código de Defesa do Consumidor e a Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98). Em outras palavras, uma negativa abusiva ocorre quando o plano de saúde se recusa a fornecer um tratamento, procedimento, medicamento ou exame necessário ao paciente sem uma justificativa válida, ou quando essa recusa prejudica de maneira desproporcional o acesso à saúde do beneficiário.
Vários fatores podem caracterizar a negativa de cobertura como abusiva, e a análise dessa abusividade envolve principalmente a relação entre o plano de saúde e o paciente, tendo como base o equilíbrio contratual, os direitos do consumidor e as obrigações legais do prestador de serviço de saúde. A seguir, são detalhados alguns dos principais aspectos que caracterizam uma negativa de cobertura abusiva.
1.1. Recusa de tratamento necessário com base em exclusões contratuais vagas ou imprecisas
O primeiro fator que pode caracterizar uma negativa como abusiva é quando o plano de saúde recusa a cobertura de um tratamento essencial, alegando que este não está previsto nas cláusulas do contrato, mas essas cláusulas são imprecisas ou excessivamente gerais. Embora as operadoras de planos de saúde tenham o direito de estabelecer limites de cobertura, elas não podem incluir cláusulas de exclusão que sejam vagas, genéricas ou que deixem o beneficiário em desvantagem. Por exemplo, se o contrato excluir de forma ampla “tratamentos não reconhecidos”, sem especificar adequadamente o que isso implica, a recusa com base nessa cláusula pode ser considerada abusiva.
Além disso, as exclusões não podem afetar tratamentos essenciais e necessários para a saúde do paciente. Se um tratamento é reconhecido pela comunidade médica e é indicado por um profissional de saúde qualificado, a negativa com base em cláusulas de exclusão não deve prevalecer, especialmente quando o tratamento é vital para a manutenção da saúde do paciente.
1.2. Negativa de cobertura de procedimentos médicos reconhecidos como eficazes
A recusa do plano de saúde em cobrir procedimentos médicos que são amplamente reconhecidos como eficazes no tratamento de doenças graves ou de alto custo pode ser considerada abusiva. Um exemplo clássico é a negativa de tratamentos de câncer ou doenças raras, especialmente quando o procedimento está descrito no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ou quando já foi aprovado pelos órgãos competentes, como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Nesse contexto, a negativa se torna abusiva porque a recusa impede que o paciente tenha acesso a um tratamento que é cientificamente comprovado, e a decisão do plano de saúde contraria as orientações médicas e as normas legais.
1.3. Uso de carência para negar tratamentos urgentes e essenciais
A carência é um período estabelecido pelas operadoras de planos de saúde durante o qual o paciente não tem direito a utilizar determinados serviços, como consultas, exames e internações. No entanto, a legislação brasileira proíbe que o plano de saúde negue tratamentos de urgência e emergência durante o período de carência. Ou seja, se o paciente necessitar de tratamento urgente, seja por um acidente ou por uma condição que envolva risco imediato à sua saúde, o plano de saúde não pode recusar a cobertura sob a alegação de que a carência não foi cumprida.
Portanto, uma negativa de cobertura para situações de urgência ou emergência, baseada apenas em uma cláusula de carência, configura uma prática abusiva.
1.4. Negativa de cobertura sem a devida justificativa médica
Os planos de saúde não podem se recusar a cobrir um procedimento médico com base em pareceres internos, especialmente quando esses pareceres desconsideram a opinião do médico responsável. Se um médico prescritor, com base em sua experiência e conhecimento, solicita um tratamento necessário para o paciente, o plano de saúde deve levar isso em consideração. A recusa de cobertura com base em laudos internos ou pareceres técnicos da operadora, sem a devida análise da situação clínica do paciente, é uma prática que pode ser considerada abusiva.
O plano de saúde deve sempre respeitar a autonomia do profissional médico e a necessidade do paciente. Negar um tratamento com base em uma avaliação externa, sem a devida justificativa ou sem uma consulta aprofundada à condição do paciente, é uma violação dos direitos do consumidor e do paciente.
1.5. Recusa de tratamento para doenças pré-existentes sem a devida comunicação ao paciente
Em alguns casos, os planos de saúde podem alegar que um paciente possui uma doença pré-existente e, com isso, excluir certos tratamentos ou procedimentos necessários. No entanto, a exclusão de cobertura para doenças pré-existentes não pode ser feita de forma arbitrária ou sem a devida informação clara ao paciente. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) exige que as cláusulas do contrato de plano de saúde sejam transparentes e que o beneficiário tenha ciência das condições antes de assinar o contrato.
Se a operadora não informar adequadamente o paciente sobre a exclusão de determinadas doenças do rol de coberturas, ou se a alegação de pré-existência não for fundamentada em exames médicos recentes, a negativa pode ser considerada abusiva. Nesse caso, a operadora também está violando a regra da boa-fé objetiva, que exige transparência e clareza nas relações contratuais.
1.6. Negativa de cobertura por motivo de "procedimento experimental" sem respaldo científico
Os planos de saúde também podem negar tratamentos alegando que eles são experimentais ou não estão devidamente comprovados. Contudo, a simples alegação de que um procedimento é experimental não pode ser usada de maneira indiscriminada. Se o tratamento já foi aprovado por órgãos competentes, como a Anvisa, ou é amplamente reconhecido pela comunidade científica, a negativa de cobertura com esse fundamento pode ser considerada abusiva.
Além disso, a recusa não deve ser baseada em um juízo de valor unilateral do plano de saúde, mas sim em uma avaliação técnica robusta e fundamentada.
2. Principais formas de negativa abusiva de cobertura
A negativa de cobertura pode ocorrer de diversas formas, mas algumas práticas são mais comuns e frequentemente contestadas como abusivas. Entre as principais formas de negativa abusiva, destacam-se:
2.1. Negativa de cobertura de procedimentos necessários para o tratamento de doenças graves
Uma das situações mais críticas é quando os planos de saúde se recusam a cobrir tratamentos essenciais para o tratamento de doenças graves e de alto custo, como câncer, doenças autoimunes, doenças cardiovasculares, entre outras. O tratamento de câncer, por exemplo, deve ser coberto pelos planos de saúde, conforme o rol de procedimentos estabelecido pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), e a negativa nesse contexto pode ser considerada abusiva.
A negativa pode ser considerada abusiva quando o procedimento solicitado é amplamente reconhecido como eficaz no tratamento da doença e não há justificativa plausível para sua recusa, como, por exemplo, a alegação de que o procedimento não está coberto pelo plano ou que é experimental, mesmo que já tenha sido aprovado por órgãos de saúde competentes.
2.2. Recusa de cobertura com base em carência ou prazo de vigência
Os planos de saúde podem estabelecer prazos de carência, durante os quais não há cobertura para determinados procedimentos. No entanto, essa recusa não pode ser utilizada de maneira arbitrária e sem justificativa adequada. Quando o paciente já está em tratamento para uma condição que se agrava durante o período de carência, o plano de saúde não pode negar o tratamento necessário alegando o cumprimento do prazo de carência.
Além disso, planos de saúde não podem estabelecer carência para casos de urgência e emergência, independentemente do período de vigência do contrato. A negativa de cobertura nesses casos, especialmente se o paciente precisa de internação ou tratamento imediato, é abusiva.
2.3. Negativa de procedimentos com base em exclusões contratuais gerais
Outro tipo de negativa abusiva ocorre quando o plano de saúde utiliza cláusulas de exclusão de forma excessiva ou de maneira que prejudique gravemente a saúde do paciente. Se o plano de saúde exclui de forma genérica a cobertura de tratamentos que são, na prática, essenciais para determinadas doenças, ou se o contrato não é claro quanto às exclusões, a negativa pode ser considerada abusiva.
Por exemplo, alguns planos de saúde podem incluir cláusulas que excluem o tratamento de doenças pré-existentes, mas essa exclusão deve ser clara no contrato e informada ao paciente no momento da contratação. Quando não há clareza quanto a essas exclusões, ou quando o paciente não é devidamente informado sobre elas, a negativa de cobertura se torna abusiva.
2.4. Recusa de tratamentos indicados por médicos
Outro ponto importante para entender quando a negativa pode ser abusiva é quando um médico responsável solicita um tratamento que é considerado necessário para a saúde do paciente, e o plano de saúde se recusa a cobri-lo, mesmo que seja uma recomendação técnica e embasada. A recusa com base em pareceres internos da operadora, sem a devida consideração da opinião médica, pode ser caracterizada como abuso.
Os planos de saúde não podem agir de forma unilateral ao desconsiderar a avaliação médica, principalmente quando se trata de tratamentos médicos com evidência científica e respaldo profissional.
3. A relação entre o Código de Defesa do Consumidor e a negativa de cobertura
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é um instrumento fundamental para a proteção dos direitos dos pacientes em relação às operadoras de planos de saúde. O CDC estabelece que é abusiva toda cláusula ou prática que seja desproporcional, desequilibrada ou que coloque o consumidor em desvantagem excessiva. Nesse contexto, as operadoras de planos de saúde devem garantir que o paciente tenha acesso aos serviços essenciais, não podendo recusar tratamento sem base legal ou sem uma justificativa que atenda aos parâmetros estabelecidos pela lei.
Em caso de negativa indevida, o CDC assegura ao consumidor o direito de buscar reparação, seja por meio de indenização por danos materiais e morais, seja por meio de medidas judiciais para garantir o acesso ao tratamento. Se a negativa for considerada abusiva, o paciente poderá exigir não apenas a cobertura do tratamento, mas também uma compensação pelos prejuízos causados.
4. Como agir em caso de negativa abusiva
Quando um plano de saúde realiza uma negativa de cobertura que é considerada abusiva, é essencial que o paciente tome algumas medidas para garantir que seus direitos sejam respeitados e que o tratamento necessário seja realizado. A negativa abusiva é aquela que não se baseia em uma justificativa legal ou médica plausível, contraria as normas do contrato ou desrespeita os direitos do consumidor, colocando em risco a saúde do beneficiário. Diante dessa situação, é possível adotar uma série de ações para contestar a decisão da operadora e buscar uma solução. A seguir, são apresentados os principais passos que o paciente pode tomar ao se deparar com uma negativa abusiva.
4.1. Verifique a justificação da negativa
Antes de tomar qualquer medida, é importante que o paciente ou seu responsável verifique se a negativa tem uma justificativa clara e se está prevista nas cláusulas do contrato com a operadora do plano de saúde. A operadora é obrigada, por lei, a fornecer uma explicação por escrito, detalhando o motivo da recusa. Caso a justificativa seja vaga ou genérica, sem embasamento técnico ou jurídico, o paciente tem direito de questioná-la.
O primeiro passo é pedir um documento formal da operadora, especificando as razões para a negativa de cobertura. Esse documento será fundamental caso o paciente precise recorrer ao Procon ou ao Judiciário.
4.2. Tente uma solução amigável com a operadora
A etapa inicial para resolver a negativa abusiva é tentar uma negociação direta com a operadora do plano de saúde. Para isso, é importante entrar em contato com o atendimento ao cliente do plano e explicar a situação. O paciente deve pedir um reexame da solicitação e exigir que a operadora apresente a justificativa de forma mais detalhada.
É recomendável que o paciente registre todas as conversas com a operadora, seja por telefone, e-mail ou outro meio de comunicação. Esses registros podem ser úteis para futuras disputas, caso a negativa seja mantida.
Se o plano de saúde se recusar novamente a cobrir o tratamento, mesmo após a reavaliação da situação, o paciente pode registrar a negativa formalmente e buscar alternativas legais.
4.3. Buscar ajuda do Procon
Caso a tentativa de resolução direta com a operadora do plano de saúde não tenha sucesso, o paciente pode procurar o Procon, que é o órgão de defesa do consumidor. O Procon atua para garantir que os direitos do consumidor sejam cumpridos, e pode intermediar a situação, ajudando na resolução do conflito entre o paciente e o plano de saúde.
A reclamação pode ser feita presencialmente ou através do site do Procon, onde o paciente pode formalizar a denúncia e solicitar que o plano de saúde seja fiscalizado quanto à negativa abusiva. O Procon pode solicitar que a operadora esclareça a negativa e, em alguns casos, intermediar um acordo entre as partes.
4.4. Acionar a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) também é um importante órgão a ser acionado quando se trata de planos de saúde. A ANS tem o poder de regulamentar e fiscalizar as operadoras de planos de saúde no Brasil, garantindo que cumpram as obrigações previstas pela Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98).
A ANS pode ser acionada para relatar o descumprimento dos direitos do consumidor em relação a uma negativa abusiva de cobertura. Além disso, a agência pode intervir diretamente nas situações em que o plano de saúde não cumpra suas obrigações, aplicando multas ou penalidades administrativas.
O paciente pode registrar sua reclamação através do site da ANS ou pelo telefone de atendimento ao consumidor. A ANS possui um canal de ouvidoria e oferece orientação aos beneficiários dos planos de saúde sobre como proceder em situações como essa.
4.5. Procurar o auxílio de um advogado especializado
Se a negativa de cobertura continuar sem solução após o envolvimento de órgãos como o Procon ou a ANS, o próximo passo é procurar um advogado especializado em direito à saúde ou direito do consumidor. O advogado pode orientar o paciente sobre as melhores estratégias jurídicas para resolver o impasse e garantir que ele tenha acesso ao tratamento de que necessita.
A consultoria de um advogado especializado é importante para compreender os direitos legais que o paciente possui e as ações judiciais possíveis. Entre as alternativas, está a ação judicial para garantir o direito à cobertura do plano de saúde, com o objetivo de reverter a negativa de cobertura.
O advogado pode também recomendar a tutela antecipada (medida de urgência) para garantir que o paciente tenha acesso imediato ao tratamento, mesmo antes de uma decisão final do tribunal. A tutela antecipada é especialmente útil quando o paciente está em uma situação grave de saúde, como em tratamentos de urgência ou doenças graves, como o câncer, por exemplo.
4.6. Ação judicial para reverter a negativa
Se todas as alternativas administrativas forem infrutíferas, a última medida a ser tomada é a ação judicial. O paciente pode ingressar com uma ação na Justiça para que o plano de saúde seja compelido a fornecer o tratamento necessário. Em casos de negativa de cobertura para procedimentos ou tratamentos essenciais, o juiz pode determinar que a operadora forneça o atendimento imediato ao paciente.
A ação judicial pode ser baseada em violação de direitos do consumidor, abuso de direito contratual e descumprimento das normas da ANS. Além disso, o advogado pode argumentar que a negativa é abusiva, considerando que o plano de saúde não pode se eximir de cobrir tratamentos essenciais que estejam previstos na legislação.
Uma característica importante das ações judiciais contra negativas de cobertura é a possibilidade de tutela de urgência. Caso o paciente esteja em situação de risco à saúde ou a vida, o juiz pode determinar a cobertura do tratamento antes mesmo do julgamento final, para garantir que o paciente tenha acesso imediato ao tratamento.
4.7. Acompanhar e cumprir a decisão judicial
Se o paciente obtiver uma decisão favorável na ação judicial, é fundamental que ele acompanhe de perto a execução da decisão. Caso o plano de saúde descumpra a determinação judicial, o paciente pode pedir a aplicação de multas ao plano e até a condenação por descumprimento.
O cumprimento da decisão judicial é essencial para garantir que o paciente receba o tratamento sem mais obstáculos. Além disso, em alguns casos, a ação judicial pode resultar em uma indenização por danos morais e materiais, caso se comprove que a negativa causou sofrimento ou prejuízos ao paciente.
5. Conclusão
A negativa de cobertura de planos de saúde pode, de fato, ser considerada abusiva em diversas situações, principalmente quando ocorre sem justificativa adequada ou desrespeita os direitos do paciente previstos pela legislação brasileira. O paciente deve estar atento às condições de seu plano de saúde e às práticas ilegais de recusa de cobertura. Ao se deparar com uma negativa abusiva, é fundamental buscar orientação jurídica para contestar essa decisão e garantir o acesso ao tratamento necessário, seja por meio de revisão administrativa, queixas à ANS ou ação judicial.


