Qual o papel da ANS em casos de negativa de medicamentos de alto custo?
A negativa de cobertura por parte dos planos de saúde, especialmente quando envolve medicamentos de alto custo, tem sido uma preocupação crescente no Brasil. Pacientes que necessitam de tratamentos complexos e dispendiosos muitas vezes enfrentam barreiras para garantir o acesso a esses medicamentos, que são essenciais para o controle ou cura de doenças graves. Nesse contexto, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) desempenha um papel crucial na mediação de conflitos entre beneficiários e operadoras de planos de saúde, além de regular e fiscalizar a atuação das empresas que oferecem esses serviços.
Neste texto, vamos explorar como a ANS atua nos casos de negativa de medicamentos de alto custo, a legislação que a respalda, os direitos dos consumidores e as alternativas disponíveis para garantir que os pacientes tenham acesso a tratamentos essenciais.
1. O Papel da ANS no Sistema de Saúde Suplementar
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é um órgão vinculado ao Ministério da Saúde, criado pela Lei nº 9.961/2000, com o objetivo de regular, normatizar, controlar e fiscalizar as atividades das operadoras de planos de saúde no Brasil. O papel da ANS é fundamental para garantir que os planos de saúde ofereçam serviços de qualidade aos beneficiários e cumpram com as regras estabelecidas pelo Sistema de Saúde Suplementar brasileiro. O órgão atua para assegurar que as operadoras de planos de saúde sigam a legislação vigente e respeitem os direitos dos consumidores, promovendo um sistema mais transparente e acessível.
1.1. Regulação do Setor de Saúde Suplementar
A ANS é responsável por regulamentar os procedimentos e tratamentos obrigatórios que devem ser cobertos pelos planos de saúde. Isso inclui a criação e atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que lista os tratamentos, exames, medicamentos e serviços de saúde que as operadoras são obrigadas a fornecer aos seus beneficiários. Este rol é atualizado periodicamente pela ANS e pode incluir novos tratamentos e terapias, de acordo com os avanços científicos e médicos.
1.2. Fiscalização das Operadoras de Planos de Saúde
A ANS também tem o papel de fiscalizar as operadoras de planos de saúde, garantindo que estas cumpram com as obrigações estabelecidas pela legislação e pelo rol de procedimentos. Essa fiscalização envolve a verificação da qualidade do atendimento, a adequação dos contratos e a análise das reclamações dos consumidores. Caso a ANS identifique irregularidades ou infrações cometidas pelas operadoras, ela pode aplicar sanções, como multas, interdições e outras medidas punitivas.
Além disso, a ANS realiza auditorias e vistorias nas operadoras para verificar se os planos de saúde estão cumprindo as regras estabelecidas, como a cobertura obrigatória de tratamentos, a manutenção de reservas financeiras suficientes para garantir o atendimento dos beneficiários, e o cumprimento de prazos de atendimento, entre outros aspectos.
1.3. Defesa dos Direitos dos Consumidores
Um dos principais papéis da ANS é proteger os direitos dos consumidores no sistema de saúde suplementar. A agência oferece canais de atendimento para que os beneficiários de planos de saúde possam registrar reclamações e denunciar abusos cometidos pelas operadoras, como negativas de cobertura, falhas na prestação de serviços ou cobranças indevidas.
A ANS também é responsável por orientar os consumidores sobre como proceder em caso de problemas com seu plano de saúde, explicando seus direitos e fornecendo informações sobre os recursos legais disponíveis. Por exemplo, se um plano de saúde se recusar a cobrir um tratamento essencial, como um medicamento de alto custo ou uma cirurgia, a ANS pode intermediar a solução ou fornecer orientações sobre como recorrer judicialmente.
1.4. Promoção da Qualidade do Atendimento
Além da regulação e fiscalização, a ANS também tem o papel de promover a melhoria da qualidade do atendimento oferecido pelos planos de saúde. A agência realiza estudos e pesquisas para identificar as necessidades dos usuários e, com base nesses dados, trabalha para implementar melhorias no setor. A ANS incentiva as operadoras a adotarem práticas de gestão que garantam um atendimento eficaz, humanizado e de qualidade.
Ela também pode estabelecer indicadores de qualidade que as operadoras devem seguir, como a satisfação dos usuários, o tempo de espera para consultas e exames e a taxa de resolutividade dos serviços prestados.
1.5. Educação e Transparência no Setor
A ANS também desempenha um papel importante na educação dos consumidores e na transparência do setor. A agência publica informações sobre a atuação das operadoras, como índices de reclamações, taxas de inadimplência, e outros dados relevantes que permitem aos consumidores fazerem escolhas mais informadas ao contratar planos de saúde.
A ANS também realiza campanhas de conscientização sobre os direitos dos consumidores e os cuidados a serem tomados ao contratar um plano de saúde. Isso inclui a explicação clara sobre os tipos de planos (ambulatorial, hospitalar, etc.), as exceções e limitações nos contratos e os procedimentos cobertos.
1.6. A Intervenção da ANS em Casos de Negativa de Tratamento
A ANS tem um papel crucial quando se trata de negativas de tratamentos pelos planos de saúde. Se um beneficiário se deparar com a recusa de cobertura para um procedimento, medicamento ou exame, pode recorrer à ANS para intermediação. A agência avalia a situação, verifica se a negativa está em conformidade com a legislação e pode exigir que a operadora forneça o tratamento negado.
Além disso, a ANS pode atuar diretamente em casos que envolvam tratamentos essenciais ou de urgência, especialmente quando se trata de doenças graves ou crônicas. Nesses casos, a agência se compromete a garantir que os direitos do paciente sejam respeitados e que o tratamento adequado seja realizado.
2. A Legislação Brasileira e os Medicamentos de Alto Custo
A legislação brasileira estabelece um conjunto de normas que regulamentam o acesso aos medicamentos, incluindo os de alto custo, no sistema de saúde suplementar e no Sistema Único de Saúde (SUS). Esses medicamentos, que são geralmente utilizados no tratamento de doenças graves e crônicas, como câncer, doenças raras e doenças autoimunes, demandam cuidados especiais tanto em termos de acesso quanto de cobertura. A legislação tem como principal objetivo garantir que os pacientes tenham acesso a tratamentos adequados, sem que a questão do custo se torne um obstáculo para a saúde.
2.1. A Constituição Federal e o Direito à Saúde
O ponto de partida para entender a cobertura de medicamentos de alto custo no Brasil é a Constituição Federal de 1988, que estabelece a saúde como um direito de todos e dever do Estado, no artigo 196. Esse artigo garante que a saúde deve ser promovida e protegida pelo poder público, através de ações e serviços que atendam às necessidades da população.
Em relação aos planos de saúde, o artigo 196 da Constituição também implica que o acesso à saúde não pode ser restrito, e qualquer forma de negativa de cobertura por parte das operadoras de planos de saúde deve ser justificada conforme os parâmetros estabelecidos pela legislação. Ou seja, a Constituição garante a todos os cidadãos, incluindo os beneficiários de planos de saúde, o direito a tratamentos médicos essenciais, que incluem os medicamentos necessários para o tratamento de doenças graves.
2.2. Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/1998)
A Lei nº 9.656, de 1998, que regulamenta os planos de saúde no Brasil, define as condições gerais de contratação e cobertura dos planos de saúde. Esta legislação estabelece que todos os planos de saúde devem cobrir um conjunto mínimo de procedimentos, incluindo internações, consultas médicas, exames e tratamentos. Entre esses tratamentos, estão os medicamentos, incluindo os de alto custo.
Embora a lei determine que os planos de saúde devem cobrir medicamentos necessários para o tratamento de condições graves, a negativa de cobertura de medicamentos de alto custo pode ocorrer em algumas situações, como, por exemplo, quando o medicamento não está incluído no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) ou quando o plano argumenta que o tratamento é experimental ou não comprovadamente eficaz.
2.3. Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS
O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, elaborado pela ANS, lista os tratamentos, exames, medicamentos e terapias que devem ser cobertos obrigatoriamente pelos planos de saúde. Embora este rol seja atualizado periodicamente, há uma limitação de cobertura em relação a medicamentos de alto custo que não estejam listados ou que sejam classificados como tratamentos não essenciais ou experimentais.
Contudo, a ANS tem atualizado constantemente o rol de medicamentos para incluir novos tratamentos, especialmente aqueles que se tornaram essenciais para o tratamento de doenças raras e complexas. Portanto, quando um medicamento de alto custo não está no rol, é possível contestar a negativa judicialmente, com base no direito à saúde e na necessidade de acesso a tratamentos indispensáveis.
2.4. A Lei dos Medicamentos de Alto Custo no SUS
No que diz respeito ao Sistema Único de Saúde (SUS), a legislação brasileira também assegura o acesso a medicamentos de alto custo para pacientes que não podem arcar com os custos do tratamento. O SUS, conforme definido pela Lei nº 8.080/1990, garante o direito à saúde e à assistência farmacêutica, incluindo medicamentos de alto custo, desde que sejam essenciais para o tratamento de doenças graves.
A Portaria nº 2.982/2009, por exemplo, estabelece os critérios para o fornecimento de medicamentos de alto custo no SUS, com base na necessidade clínica e na disponibilidade de tratamento. Nesse sentido, o sistema público de saúde oferece medicamentos para pacientes com doenças raras, câncer e doenças crônicas, desde que esses medicamentos estejam na lista de fornecimento do SUS.
Entretanto, o acesso a medicamentos de alto custo no SUS enfrenta desafios logísticos, como a disponibilidade limitada e as demoras no fornecimento. Nesse contexto, o acesso ao medicamento via plano de saúde pode ser mais ágil, o que torna relevante a discussão sobre a cobertura de medicamentos de alto custo pelos planos de saúde.
2.5. O Direito à Saúde e a Negativa de Medicamentos de Alto Custo
A negativa de medicamentos de alto custo por planos de saúde deve ser analisada à luz dos direitos dos pacientes, conforme a Constituição Federal e a Lei dos Planos de Saúde. Quando um plano de saúde se recusa a cobrir medicamentos essenciais, o paciente pode recorrer a diferentes instâncias para garantir seu acesso ao tratamento.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao tratar das relações de consumo, também oferece proteção aos pacientes. Em casos de negativa de cobertura, especialmente em situações de emergência ou de tratamentos essenciais, o CDC assegura o direito de reverter a recusa e garantir o tratamento de forma imediata.
Além disso, a Resolução Normativa nº 424/2016 da ANS permite que os planos de saúde cobram de seus beneficiários uma maior transparência na comunicação e na justificativa das negativas. Essa resolução também reforça que a negativa de tratamento de medicamentos essenciais deve ser acompanhada de justificativa clara por parte da operadora do plano.
2.6. Acesso Judicial a Medicamentos de Alto Custo
Em casos de negativa de cobertura de medicamentos de alto custo pelos planos de saúde, é possível recorrer ao Judiciário para garantir o direito ao tratamento. Os tribunais brasileiros têm frequentemente decidido a favor dos pacientes, com base no direito fundamental à saúde e na necessidade de garantir tratamentos essenciais.
A negativa de medicamentos essenciais é frequentemente considerada ilegal pelos tribunais, e as operadoras de planos de saúde podem ser obrigadas a fornecer os tratamentos, mesmo que esses medicamentos não estejam no rol da ANS, com base no princípio da dignidade da pessoa humana e no direito à vida e à saúde.
Em decisões recentes, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem estabelecido precedentes em favor dos pacientes, assegurando o acesso a medicamentos de alto custo, mesmo em situações em que a ANS não os tenha incluído no rol de procedimentos obrigatórios.
3. Quando a ANS Intervém em Casos de Negativa de Medicamentos de Alto Custo?
Quando ocorre uma negativa de cobertura de medicamentos de alto custo, o paciente pode recorrer à ANS para que a agência intervenha e tome as medidas necessárias. A atuação da ANS nesses casos ocorre principalmente nas seguintes situações:
3.1. Fiscalização das Operadoras
A ANS tem o poder de fiscalizar as operadoras de planos de saúde para garantir que elas cumpram com a legislação e com as obrigações relacionadas à cobertura de tratamentos, incluindo medicamentos de alto custo. Caso seja constatado que uma operadora não está cumprindo a legislação, a ANS pode aplicar sanções, que incluem multas e outras medidas punitivas.
Além disso, a ANS pode realizar auditorias e fiscalizar diretamente os contratos das operadoras de planos de saúde, para verificar se estão sendo cumpridos os requisitos de cobertura e quais as condições impostas aos pacientes.
3.2. Intermediação de Reclamações
A ANS oferece aos consumidores um canal para registrar reclamações relacionadas ao não fornecimento de medicamentos de alto custo pelos planos de saúde. O site da ANS permite que os pacientes realizem queixas formais sobre a negativa de cobertura e a agência pode atuar como mediadora entre o beneficiário e a operadora.
A ANS analisa as denúncias feitas pelos consumidores e verifica se a operadora está em conformidade com as normas estabelecidas. Caso seja verificado que a negativa é indevida, a ANS pode solicitar que a operadora forneça o medicamento ou tome outras providências para resolver o problema.
3.3. Orientação aos Consumidores
Além de atuar como mediadora e fiscalizadora, a ANS também tem um papel educativo e orientativo. A agência oferece informações e orientações sobre os direitos dos consumidores e as possibilidades legais de contestar as negativas de cobertura. A ANS orienta os pacientes sobre como recorrer administrativamente à operadora e quando é necessário buscar a via judicial.
Caso a negativa de cobertura de medicamentos de alto custo seja indevida, a ANS pode ajudar o paciente a entender os procedimentos legais para buscar a resolução do caso.
3.4. Ajustes no Rol de Procedimentos
A ANS também é responsável por revisar e atualizar periodicamente o rol de procedimentos obrigatórios, incluindo medicamentos e tratamentos de alto custo. Isso significa que, caso um medicamento altamente necessário e de alto custo não esteja no rol, a ANS pode incluir esse item, garantindo que os planos de saúde passem a cobri-lo.
Por exemplo, a ANS tem a possibilidade de incluir medicamentos inovadores ou novos tratamentos que se mostrem eficazes no tratamento de doenças graves e raras. Quando um medicamento é considerado essencial para o tratamento de uma doença, a ANS pode atuar na regulamentação para garantir que ele seja coberto pelos planos de saúde.
4. Como Recorrer à ANS em Casos de Negativa de Medicamentos de Alto Custo?
Quando um plano de saúde se recusa a cobrir um medicamento de alto custo, o paciente deve seguir os seguintes passos para recorrer à ANS:
4.1. Solicitar uma Revisão Administrativa ao Plano de Saúde
O primeiro passo é tentar resolver o problema diretamente com a operadora de plano de saúde. O paciente deve formalizar um pedido de revisão administrativa, apresentando todos os documentos necessários, como a prescrição médica e relatórios de especialistas, para justificar a necessidade do medicamento.
4.2. Registrar uma Reclamação na ANS
Se a operadora de plano de saúde não atender à solicitação de cobertura ou se a negativa persistir, o paciente pode registrar uma reclamação formal na ANS, detalhando o caso e fornecendo a documentação de suporte. A ANS analisará o caso e poderá intervir junto à operadora.
4.3. Buscar Assistência Jurídica
Se a ANS não resolver o problema, o paciente pode procurar um advogado especializado em direito à saúde para ajuizar uma ação judicial. O advogado pode buscar a obrigação de fazer com base no direito do paciente à saúde e à cobertura de tratamentos essenciais.
5. Conclusão
A ANS tem um papel fundamental na regulação e fiscalização dos planos de saúde, especialmente em casos de negativa de medicamentos de alto custo. A agência atua para garantir que as operadoras cumpram suas obrigações e que os pacientes tenham acesso ao tratamento necessário para suas condições de saúde. Em casos de negativa, os consumidores têm o direito de recorrer à ANS, que pode intervir na resolução do caso, além de proporcionar orientações jurídicas e facilitar a inclusão de medicamentos essenciais no rol de procedimentos obrigatórios.
Ao enfrentar uma negativa de cobertura, é importante que o paciente compreenda seus direitos, busque a mediação da ANS e, se necessário, recorra à via judicial para garantir que o plano de saúde forneça o medicamento necessário.


