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Quais são os passos para processar um médico por negligência?

A negligência médica é uma das principais causas de processos judiciais relacionados à área da saúde. Ela ocorre quando um profissional de saúde, como um médico, não age de acordo com os padrões exigidos para o atendimento ao paciente, resultando em danos ou agravamento da condição do paciente. Quando alguém se vê em uma situação em que sofreu danos devido à conduta negligente de um médico, é possível recorrer ao poder judiciário para buscar a reparação pelos prejuízos sofridos. No entanto, o processo de processar um médico por negligência exige uma série de etapas cuidadosas e fundamentadas, sendo necessário reunir provas, avaliar o caso legalmente e seguir os trâmites jurídicos de maneira adequada.

A seguir, explicamos os principais passos que devem ser seguidos por quem deseja processar um médico por negligência, bem como os aspectos legais que envolvem esse tipo de ação.

1. Entenda o Conceito de Negligência Médica

A negligência médica é um termo jurídico utilizado para descrever a falha ou omissão de um profissional de saúde, especialmente um médico, em seguir os padrões e procedimentos adequados ao prestar cuidados médicos a um paciente. Essa falha pode resultar em danos ou agravamento da condição de saúde do paciente, e, dependendo da situação, pode gerar responsabilidades jurídicas para o profissional de saúde.

Para entender o conceito de negligência médica, é necessário explorar alguns aspectos fundamentais, como o que caracteriza esse tipo de falha profissional, como ela se manifesta e quais são as suas implicações legais.

O Conceito Jurídico de Negligência

A negligência médica ocorre quando o médico, ou outro profissional da saúde, deixa de adotar os cuidados necessários e esperados de acordo com os padrões estabelecidos pela medicina. Em termos jurídicos, isso pode ser caracterizado por um não agir quando deveria agir ou agir de forma inadequada, com o objetivo de prevenir ou tratar uma doença ou condição de saúde. A negligência está ligada à falta de diligência ou de atenção em relação ao cuidado do paciente.

No direito, a negligência é uma das formas de responsabilidade civil, junto com a imprudência (agir sem cautela) e a imperícia (falta de habilidade ou competência técnica). No caso da negligência médica, o profissional de saúde não age com o devido cuidado, o que gera um dano ao paciente.

Exemplos Comuns de Negligência Médica

A negligência médica pode ocorrer de diversas maneiras, como veremos a seguir. Alguns exemplos típicos incluem:

• Falta de diagnóstico adequado: Quando o médico não realiza exames necessários ou não leva em consideração os sintomas apresentados pelo paciente, resultando em um diagnóstico errado ou atrasado. Por exemplo, não investigar sintomas de uma condição grave como câncer ou uma doença cardíaca.

• Omissão de tratamento: Se o médico omite tratamentos que seriam necessários para a condição do paciente, o quadro de saúde pode se agravar. Isso pode incluir a omissão de prescrição de medicamentos essenciais ou a não recomendação de intervenções cirúrgicas quando necessárias.

• Erro na administração de medicamentos: Quando o médico prescreve a medicação errada, com a dosagem incorreta ou quando não observa a interação entre os medicamentos, isso pode resultar em reações adversas graves no paciente.

• Falta de monitoramento contínuo: Para tratamentos de doenças crônicas ou condições delicadas, o médico deve monitorar o paciente regularmente. A falta desse acompanhamento pode resultar em complicações e no agravamento da condição de saúde.

• Demora no atendimento: Quando um paciente precisa de atendimento urgente e o médico ou hospital demora a agir, isso pode ser considerado negligência. Por exemplo, a demora na realização de uma cirurgia de emergência pode resultar em danos permanentes ao paciente.

Diferença entre Negligência, Imperícia e Imprudência

É importante distinguir a negligência de outros dois conceitos jurídicos frequentemente mencionados no contexto médico: imperícia e imprudência.

• Negligência: Como mencionado, a negligência ocorre quando o médico deixa de agir com o cuidado adequado, o que pode resultar em um dano ao paciente.

• Imperícia: A imperícia ocorre quando o médico não tem a habilidade ou competência técnica necessária para realizar o tratamento adequado. Isso pode acontecer em situações em que o médico não está capacitado para realizar uma cirurgia ou um procedimento específico.

• Imprudência: A imprudência acontece quando o médico age sem a devida cautela, ou seja, quando toma decisões apressadas ou arriscadas, sem avaliar corretamente os riscos envolvidos. Isso pode incluir, por exemplo, a realização de um procedimento em condições não ideais ou a prescrição de um tratamento sem observar possíveis efeitos colaterais.

As Consequências da Negligência Médica

As consequências da negligência médica podem ser extremamente graves para o paciente. O erro ou a omissão do profissional de saúde pode causar:

• Agravamento do quadro de saúde: Quando o médico não oferece o tratamento adequado ou o diagnóstico correto, o estado de saúde do paciente pode piorar, podendo levar a complicações graves ou até mesmo a morte.

• Danos físicos e psicológicos: O paciente pode sofrer danos físicos diretos devido à falha do médico em prestar o cuidado adequado. Além disso, a negligência pode causar danos psicológicos, como angústia e sofrimento emocional.

• Aumento dos custos médicos: Quando a negligência resulta em complicações ou a necessidade de tratamentos adicionais, o paciente pode enfrentar custos médicos elevados que poderiam ter sido evitados.

• Danos permanentes ou irreversíveis: Em alguns casos, a negligência médica pode resultar em danos permanentes à saúde do paciente, como a perda de uma função corporal, paralisia ou outras sequelas irreversíveis.

Responsabilidade do Médico em Caso de Negligência

Quando um médico comete negligência, ele pode ser responsabilizado civilmente e, em alguns casos, até criminalmente. A responsabilidade do médico é definida pela legislação brasileira, que prevê que ele deve agir com o cuidado e diligência necessários em cada situação.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 14, afirma que os fornecedores de serviços (como os médicos) respondem objetivamente pelos danos causados aos consumidores, independentemente da existência de culpa. Portanto, mesmo que o médico não tenha agido com intenção de prejudicar o paciente, ele ainda pode ser responsabilizado se o dano ocorrer devido à sua conduta negligente.

Além disso, o médico também pode ser responsabilizado criminalmente em casos de negligência grave que coloquem a vida do paciente em risco. Isso pode ocorrer, por exemplo, se a negligência resultar em homicídio culposo, em que o médico não teve a intenção de matar, mas agiu com imprudência ou negligência.

Como Provar a Negligência Médica

Provar que um médico cometeu negligência não é uma tarefa simples. No entanto, é possível reunir evidências que sustentem a alegação de que houve falha no atendimento. Algumas formas de comprovar a negligência médica incluem:

• Prontuários médicos e documentos: O prontuário médico é um dos principais documentos que podem ser utilizados para demonstrar que o tratamento não foi adequado. O advogado do paciente pode solicitar esses registros para verificar se houve falha no atendimento.

• Laudos periciais: Um perito médico pode ser chamado para avaliar se o médico cometeu erro ao tratar o paciente. A perícia pode ser feita por um profissional independente, que vai analisar os documentos e oferecer um parecer técnico sobre a conduta do médico.

• Testemunhos e depoimentos: Depoimentos de outros profissionais de saúde ou de pessoas que acompanharam o tratamento podem ser úteis para demonstrar que o médico falhou em suas responsabilidades.

2. Documente e Reúna Provas

Quando um paciente suspeita que foi vítima de negligência médica, um dos passos mais importantes para iniciar o processo é documentar e reunir provas. A coleta adequada de evidências é essencial para fortalecer a alegação de negligência e sustentar o processo judicial.

A documentação detalhada e a organização das provas ajudam a esclarecer os fatos, estabelecer a responsabilidade do profissional de saúde e a relação de causa e efeito entre o erro cometido e o dano sofrido pelo paciente. A seguir, destacamos as principais formas de documentar e reunir provas em casos de negligência médica.

1. Registros Médicos (Prontuários)

O prontuário médico é um dos documentos mais importantes em casos de negligência. Ele contém todo o histórico de atendimento do paciente, incluindo diagnósticos, tratamentos realizados, prescrições, exames e anotações sobre a evolução do quadro clínico. O prontuário pode revelar falhas na condução do caso médico e fornecer informações cruciais para comprovar a negligência.

O que observar nos prontuários médicos:

• Descrição incompleta ou incoerente: Caso o médico não tenha registrado adequadamente as condições do paciente ou tenha deixado de realizar exames ou procedimentos necessários, isso pode ser um indício de negligência.

• Falta de exames e tratamentos: Se os prontuários indicarem que exames ou tratamentos recomendados não foram realizados ou foram feitos de maneira inadequada, isso também pode ser usado como prova.

• Erros de prescrição ou administração de medicamentos: Se houver registros de erros na dosagem de medicamentos ou na prescrição de substâncias incompatíveis, esses detalhes podem ser fundamentais para provar a negligência.

O paciente ou seu representante legal tem o direito de solicitar uma cópia do prontuário médico, com base no Código de Ética Médica e na Lei 13.787/2018, que regulamenta o acesso aos registros médicos.

2. Laudos Periciais e Consultoria Técnica

Em muitos casos de negligência médica, a análise de um perito médico é essencial para determinar se houve erro por parte do profissional de saúde. O perito é um médico especializado e imparcial que avalia as evidências e os tratamentos realizados, comparando-os com os padrões e protocolos médicos.

O laudo pericial pode apontar falhas específicas no atendimento, como:

• Erros de diagnóstico ou atraso no diagnóstico: O perito pode avaliar se o médico deveria ter identificado a condição do paciente mais rapidamente.

• Indicação de tratamentos inadequados: O perito pode analisar se o tratamento ou a medicação prescrita estava de acordo com as melhores práticas da medicina.

• Complicações evitáveis: Se o erro médico resultou em complicações que poderiam ter sido evitadas, a perícia pode ajudar a confirmar essa ligação.

Para que o laudo pericial seja aceito judicialmente, é importante que o especialista seja qualificado e tenha experiência na área relacionada ao tratamento em questão.

3. Testemunhos de Outros Profissionais de Saúde

Além dos prontuários médicos e dos laudos periciais, testemunhos de outros profissionais de saúde podem ser cruciais para reforçar as alegações de negligência médica. Médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem ou outros profissionais que tenham estado presentes durante o atendimento ao paciente podem fornecer informações importantes sobre a conduta do médico acusado de negligência.

Exemplos de testemunhos úteis:

• Enfermeiros e técnicos de enfermagem podem confirmar se o paciente recebeu os cuidados adequados ou se houve negligência no acompanhamento pós-operatório, por exemplo.

• Médicos especializados podem depor sobre a inadequação do tratamento ou a necessidade de intervenções que não foram realizadas.

Esses depoimentos podem fornecer uma visão detalhada sobre os eventos que ocorreram durante o atendimento e ajudar a construir um caso sólido contra o profissional de saúde.

4. Fotos e Vídeos

Em alguns casos, fotos ou vídeos podem ser evidências poderosas para comprovar o dano causado pela negligência médica. Por exemplo:

• Imagens de lesões ou complicações: Se o paciente sofreu uma complicação ou dano físico durante ou após o tratamento, fotografias ou vídeos podem ilustrar a extensão do problema.

• Gravações de interações com médicos ou outros profissionais de saúde: Em situações onde houve negligência evidente durante o atendimento, gravações podem ser usadas como prova. É importante, no entanto, verificar a legalidade da gravação, de acordo com as leis locais sobre privacidade.

Esses materiais podem ser usados para fortalecer a narrativa do paciente e demonstrar visualmente a extensão do erro médico.

5. Relatórios de Exames e Resultados de Testes

Em casos de negligência, a falha em solicitar ou interpretar corretamente os exames e testes pode ser um ponto crucial. Relatórios de exames e resultados de testes que comprovem um diagnóstico errado ou tardio podem ser utilizados como provas.

Por exemplo, se o médico deixou de solicitar um exame crucial, como uma tomografia ou uma biópsia, e isso resultou em um diagnóstico tardio ou incorreto, os resultados dos exames subsequentes podem ajudar a demonstrar que o erro médico causou danos ao paciente.

6. Comunicações e Notificações

Em algumas situações, o paciente ou seus familiares podem ter feito notificações formais à instituição de saúde ou ao próprio médico sobre o problema ocorrido. Essas comunicações, como e-mails, cartas ou mensagens, podem ser usadas para documentar a falha na resposta da instituição de saúde ou a recusa do médico em corrigir o erro.

Essas notificações servem para mostrar que o paciente tentou resolver o problema diretamente com o médico ou a instituição, mas não obteve sucesso.

7. Testemunhos do Paciente e Familiares

O testemunho do próprio paciente ou de seus familiares pode ser uma prova importante, especialmente em casos em que a negligência é evidente, mas os documentos não são tão claros. O paciente pode relatar os sintomas, o tratamento que recebeu e o impacto do erro médico em sua vida. Já os familiares podem descrever a situação em casos onde o paciente não está em condições de fornecer um relato claro, como em pacientes internados ou com dificuldades cognitivas.

Esses testemunhos podem ser usados para construir uma linha do tempo dos eventos e ajudar a ilustrar como a negligência ocorreu.

3. Consulte um Advogado Especializado

Uma vez que as provas estejam reunidas, o próximo passo é procurar um advogado especializado em direito médico ou em responsabilidade civil. O advogado terá a experiência necessária para avaliar o caso, entender se a negligência é realmente passível de processo e quais os melhores passos a seguir.

• Análise jurídica: O advogado avaliará todos os documentos e testemunhos reunidos, além de consultar especialistas se necessário, para determinar a viabilidade do processo. Caso o advogado entenda que a negligência médica está claramente configurada, ele orientará sobre as melhores estratégias legais.

• Orientação sobre o tipo de ação: Em casos de negligência médica, é possível ingressar com uma ação de responsabilidade civil, que visa a reparação dos danos causados, ou até mesmo uma ação criminal, se houver dolo (intenção) ou imprudência em situações mais graves.

4. Verifique o Prazo para Entrar com a Ação

No Brasil, há um prazo legal para que o paciente possa processar um médico por negligência. Esse prazo é conhecido como o prazo prescricional, que varia dependendo do tipo de ação a ser movida.

• Ação civil: No caso de ações que buscam indenização por danos materiais ou morais, o prazo para entrar com a ação é de cinco anos a contar da data em que o paciente tomou conhecimento do erro ou da omissão, ou seja, quando os danos causados pela negligência ficaram evidentes.

• Ação criminal: Para ações criminais (quando o médico agiu com dolo ou com grave imprudência), o prazo prescricional pode ser menor, dependendo do tipo de crime.

Por isso, é importante consultar um advogado o quanto antes para garantir que os prazos sejam respeitados.

5. Escolha o Tipo de Ação a Ser Movida

Existem diferentes tipos de ações que podem ser movidas contra um médico que cometeu negligência. O advogado será o responsável por escolher o tipo de ação mais adequado ao caso. As principais opções incluem:

• Ação de responsabilidade civil: O objetivo é buscar a reparação pelos danos materiais e morais causados pela negligência do médico. Isso inclui o pagamento de despesas médicas adicionais, indenização por danos à saúde, sofrimento e danos emocionais.

• Ação criminal: Caso o erro médico envolva dolo ou imprudência grave (por exemplo, em situações onde o médico agiu com total descaso ou negligência criminosa), é possível mover uma ação criminal. Isso pode resultar em pena de prisão para o médico, dependendo da gravidade do caso.

• Ação de obrigação de fazer: Se a negligência tiver como consequência a omissão de um tratamento importante, pode-se entrar com uma ação para obrigar o médico a realizar o tratamento adequado.

6. Prepare-se para a Perícia Judicial

Nos casos de negligência médica, é comum que o juiz solicite uma perícia judicial para avaliar se o médico realmente agiu de maneira inadequada. A perícia será realizada por um perito designado pelo juiz, que irá examinar os documentos, realizar entrevistas com as partes envolvidas e, se necessário, analisar o caso mais profundamente.

A perícia médica será fundamental para o julgamento, pois ela ajudará a esclarecer se o tratamento oferecido foi adequado e se a falha do profissional de saúde resultou efetivamente em danos ao paciente. Por isso, é importante garantir que as provas reunidas (documentação médica, exames, laudos, etc.) estejam bem organizadas e claras.

7. Possibilidade de Acordo Extrajudicial

Em alguns casos, o processo judicial pode ser demorado e custoso. Se houver concordância entre as partes, é possível buscar uma negociação extrajudicial ou um acordo com o médico ou com a clínica/hospital responsável pelo erro. Essa abordagem pode ser vantajosa para ambas as partes, evitando os custos de um processo judicial prolongado.

O advogado também pode atuar como intermediário para garantir que o acordo seja justo e que o paciente seja devidamente compensado pelos danos sofridos.

8. Acompanhamento do Processo Judicial

Durante o processo, o advogado será responsável por acompanhar o andamento da ação, cumprindo prazos, apresentando documentos e recursos, caso necessário. Em muitos casos, o processo pode durar algum tempo, dependendo da complexidade do caso e da agilidade do judiciário.

Conclusão

Processar um médico por negligência exige uma análise cuidadosa do caso, a coleta de provas e a contratação de um advogado especializado para orientar o paciente ao longo de todo o processo. A negligência médica pode causar danos significativos à saúde do paciente, mas a legislação brasileira garante que a vítima tenha o direito de buscar uma reparação pelos prejuízos sofridos. Embora o processo judicial possa ser longo, a justiça pode assegurar que o profissional responsável seja responsabilizado, oferecendo ao paciente a compensação e o tratamento que ele merece.